Tilly & William – marca de moda não-binária

Tilly & William marca de moda não-binária | Estilo ao Meu Redor

No meio da loucura do SPFW43, encontrei a estilista norte americana Tilly Wolfe da marca Tilly & William para um bate papo bem gostoso sobre sua marca, o papel do gênero, sustentabilidade e o futuro da moda.

EAMR: O que te trouxe para São Paulo e quais são suas impressões da cidade?

Vim para São Paulo para o SPFW em colaboração com a TNT para uma palestra sobre o papel de gênero na moda. É minha primeira vez em São Paulo e também no Brasil. Faz só um dia que estou aqui, mas estou adorando a cidade e o povo é adorável. A energia do Centro da cidade me lembra muito o Brooklyn. Saí ontem para procurar um café com WiFi e encontrei um espaço colaborativo na Rua Augusta cheio de marcas independentes, bem o tipo de lugar que me faz falta em Nova Iorque e que estou tentando criar com meus amigos.

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Os sócios da Tilly & William usando as criações da marca de moda não-binária
EAMR: Me conta da sua marca.

Tilly & William é uma marca de roupa de gênero não-binário, o que quer dizer que é roupa criada por pessoas, para corpos, para qualquer corpo, para quem quiser trazer seu corpo para dentro de uma destas peças, em que padrão é algo escolhido por cada indivíduo. Criamos a partir de 3 desafios: unisexualidade, transformabilidade e sustentabilidade

As peças se transformam para vários tamanhos de corpos. Uma ideia foi catalisadora para as peças transformadoras que fazem várias coisas, tipo, uma calça que também vira uma camisa. Adoramos quando pessoas descobrem novos jeitos de usar nossa roupa, a ideia mesmo é de liberar a mente.

EAMR: Que incrível, como surgiu a ideia?

A marca surgiu de uma maneira bem natural. Somos dois amigos e nos conhecemos na faculdade. Em 2009 dividimos um apartamento e começamos a usar a roupa um do outro. Daí começamos a questionar porque as roupas de homem e mulher eram tão diferentes, pois se for ver, nossos corpos não são tão diferentes. Tudo bem, pode ter uns centímetros a mais ou a menos em alguns lugares, mas em geral não tem tantas diferenças.

Olhando corpos como iguais, dava uma vontade de criar em cima. Criamos uma coleção para meu TCC de faculdade de moda. A palavra andrógino foi o ponto de partida, mas isso não explicou bem o que estávamos fazendo; “gênero não binário” foi o termo que melhor nos descreveu. Esta foi minha maneira de descobrir minha própria identidade, como a sociedade funciona e como funciona a ideia de gênero.

EAMR: Sei que Tilly & William já apresentou coleções na NYFW, me conta como foi esse processo?

Nosso primeiro desfile no NYFW foi em outubro de 2013, o primeiro e maior desfile. A gente pegou um caminho mais convencional. Fizemos grandes pedidos com fabricas com práticas éticas, e procuramos tecidos sustentáveis. O desfile foi bem tétrico, além de um elenco de modelos tivemos dois dançarinos. A primeira metade do desfile foi devagar e sóbria. No final da primeira metade os dançarinos chegaram no final da passarela e acordaram, como se estivessem reconhecendo a humanidade e reagindo ao mundo ao seu redor. Eles começaram a tirar as roupas um do outro, como camadas externas. O vestido dele vira a calça dela e sua calça se transforma na camisa dele. A segunda metade do desfile foi mais leve e apresentamos a mesma roupa invertida, tingida usando tintas naturais.

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EAMR: Como foi recebido este primeiro desfile?

Foi muito bem recebido! Mas sabemos que a indústria de moda é difícil para qualquer um de conquistar. Acho que a gente foi muito aberta, os compradores perguntaram quem era nosso público alvo e falamos: todo mundo! A gente conseguiu entrar em algumas lojas, mas não foi aquela loucura de pedidos.

Na próxima temporada a gente apresentou um desfile no calendário oficial e usou alguns dos mesmos conceitos. Esta coleção teve foco nas formas geométricas, eu ampliei o logo e tirei os triângulos e reconfigurei eles em roupa. Estampei a roupa com impressões digitais de fotos que tirei da terra, céu e paisagem de um roadtrip que a gente tinha acabado de fazer.

O show teve um vibe mais caótico, usamos um casting composto 10% de dançarinos, que trocaram de roupa durante o show para demonstrar o quanto as peças são versáteis.

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EAMR: Como você seguiu este desfile na próxima edição de NYFW?

Na próxima temporada a gente optou por uma abordagem mais “rogue”. Tudo que a gente tinha feito até então era caro, e percebemos que estávamos um pouco desligados de nossos contemporâneos. Jovens da comunidade gay de Brooklyn realmente entenderam nossas roupas, mas o preço estava fora do seu alcance. Começamos a perguntar como fazer uma coleção com a mesma versatilidade, usando tecidos ecológicos. A solução foi a coleção “Cut” onde tudo foi cortado e sem costura. Cada peça sai menos de 100,00 dólares.

Fizemos uma apresentação durante a Fashion Week, mas desta vez foi no bar, Hotel Chantelle. Tivemos três modelos que ficaram num pedestal durante algumas horas, trocando e transformando as peças da coleção.

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Fomos convidados pelo Mix Queer Film festival para fazer uma coleção para a produção. O tema original foi “a colmeia” e como eles são uma organização sem fins lucrativos, a gente conseguiu ir ao Material for the arts, um galpão enorme onde escolhemos tecidos de graça. O projeto foi incrível e fizemos amizades para a vida inteira.

Nas últimas temporadas optamos por não nos engajar com a indústria da moda, e sim focar nossas coleções na cena gay, indo onde nossa comunidade está. Fizemos desfiles e apresentações em baladas gay, basicamente curtindo luares com nossos amigos, numa maneira muito mais relaxada que a Fashion Week de verdade.

EAMR: Quais são as vantagens de fazer coleções off schedule?

Primeiro é a liberdade de poder fazer uma coisa nossa sem a pressão do calendário de moda, além do fato de que o ritmo acelerado da moda hoje em dia não é nada saudável para o planeta.

Quando a gente se relacionou mais com a nossa comunidade, fomos rotulados de estilistas gay. Não foi exatamente o que a gente achou que estava fazendo quando começamos, mas é, de fato, uma descrição acurada. Diversidade é uma palavra buzz e no ultimo ano a Tilly & William saiu numa lista de estilistas gay a ficar de olho e a partir desta lista saímos em todas, incluindo o Huffington Post.

Não faz sentido colocar pressão no estilista e também no público para comprar. Vemos tanta corrupção e pressão para ir mais rápido, então demos um passo para trás e tirar Tilly & William do calendário fez muito sentido. Por enquanto estamos vendo mais valor em intervenções.

Não é dizer que um desfile não seja um futuro no horizonte, pois é uma forma de expressão artística e claro, um bom jeito de mostrar roupa. O CFDA (Council of Fashion Designers of America) Fashion Week do jeito que estava não era um bom veículo para vendas e se você estiver só olhando para moda como um empreendimento capitalista, isso é importante, o modelo não fazia sentido.

Vemos mais valor em conectar com nosso público através de vendas online e eventos. É legal estar aqui em São Paulo dizendo estas coisas e criticar a indústria de moda desta posição estratégica de conhecer e estar conectado com o público.

EAMR: Como você define sustentabilidade e qual papel tem na sua marca?

Nossa ideia de sustentabilidade tem evoluído bastante. Agora sabemos o caminho que queremos pegar. Estamos sempre buscando informação e novas tecnologias que possibilitem novas maneiras de produzir. Meu foco é nas matérias, procuro usar tecidos não tóxicos cuja fonte conhecemos. Por exemplo, usamos um modal feito de madeira de faia sustentável no leste da Europa.

Um outro método é diminuir a quantidade de roupa que produzimos. Ao receber pedidos online, fazemos a roupa de acordo com o pedido, junto com relacionamento com clientes, assim a gente faz o que é preciso e não o que acha que as pessoas querem.

Da mesma forma estamos preparados para pedidos grandes. Conhecemos algumas fábricas e fornecedores locais, e sabemos os processos deles, se for precisar usar em qualquer momento. Mas realmente tem sido uma evolução.

EAMR: Quais tecnologias novas de reciclagem vocês estão implementando?

A questão não é só usar matérias recicláveis, mas também entender que existem processos de reciclagem que são tóxicos em si. Estou empolgada neste momento com a descoberta de um processo atóxico de reciclar garrafas PET. O processo New life Repreve desfia as garrafas ao invés do processo tóxico de derreter as fibras, e o resultado pode ser utilizado nas mesmas máquinas que as de poliéster virgem. O que significa que é um processo fácil para fábricas adotarem. Claro que utilizar garrafas plásticas não é uma solução de longo prazo, mas pelo menos estamos preservando aterros e reciclando de uma maneira atóxica.

Também estamos fazendo bastante pesquisa sobre métodos de estamparia que não utilizem água, pois estamparia convencional é um processo alto consumo de água. Mudanças vão acontecer, mas vai precisar de todo mundo, todo o tempo.

EAMR: Próximos passos de projetos atuais:

Queremos continuar fazendo roupa com as mesmas propostas, e botar na rua roupas e campanhas que mexam com velhos conceitos. Sem abrir mão de funcionalidade e conforto, se alguém consegue abrir um espacate, quero que consiga fazer usando nossa roupa.

Estamos muito empolgados com nosso projeto Vox Bazar, que é uma boutique colaborativa, com seis outras marcas parceiras, mas também incorporamos um ateliê com mesa de corte e máquinas de costura. É um recurso na comunidade que traz o público para mais perto da marca e também onde as pessoas podem aprender a usar máquinas e renovar roupa antiga.

Queremos criar um espaço não só de compras, mas em que as pessoas possam se reunir e falar sobre assuntos pertinentes, um espaço para artistas e ativistas se reunirem e para pessoas de pensamentos alinhados se expressarem. Tivermos um evento pop up em dezembro e vamos ter outro logo mais, a fim de fechar um espaço permanente.

O Vox Bazar está sendo possível por causa do caminho que a gente escolheu e vemos uma urgência na discussão de gênero, porque praticar moda não é só escolher bem a roupa que você vai usar para assistir ao desfile, é também uma atitude política e de resistência.

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