Sob a luz do flash dos fotógrafos e a antecipação da imprensa, smartphones a postos, a atriz norte americana Jessica Chastain falou francamente sobre a maneira “assustadora” como as mulheres são retratadas em filme:
“Esta é a primeira vez que assisti 20 filmes em 10 dias, e eu amo filmes. E a coisa que eu realmente concluí desta experiência é como o mundo vê mulheres, pelo jeito em que personagens femininos foram representados… foi realmente assustador para mim, para ser honesta – com algumas exceções.” Ela continuou, “espero que quando incluímos narradoras femininas, elas vão ser mais como as mulheres que eu conheço na minha vida cotidiana. Elas são proativas, tem seus próprios pontos de vista e não só reagem aos homens ao seu redor.”
Os comentários foram feitos na coletiva de imprensa de encerramento do Festival de Filme de Cannes desse ano, onde a atriz fez parte do painel de juízes. Seus comentários viralizaram; Chastain foi aplaudida por feministas e rotulada de feminista chata pela imprensa conservadora. Seria fácil anular seus comentários e chamar a atriz de mais uma “feminista reclamona”, pois ela previamente falou sobre as disparidades salariais em Hollywood, e suas próprias experiências em atingir um salário igual ao de seus colegas homens.
Mas vamos focar no que ela falou em Cannes e porque isso foi tão significante: O festival é criticado há anos pelo seu tratamento de cineastas mulheres. Só uma diretora mulher, Jane Campion, foi premiada com a prestigioso Palma de Ouro, nos 70 anos de história do festival. Este ano, porém, o festival reconheceu duas cineastas: Lynne Ramsay ganhou o melhor roteiro pelo suspense You Were Never Really Here, e Sofia Coppola melhor diretora por The Beguiled. Coppola é segunda mulher a ganhar este prêmio no festival depois de Yuliya Solntseva em 1961.
Estes passos são positivos e significantes, mas só tratam da metade dos comentários de Chastain. O que ela estava realmente destacando foi o problemático Male Gaze, ou olhar masculino em português. Um olhar que está presente em nossas vidas, através de filmes, tv e publicidade.
Mas o que é o Male Gaze?
O gaze é um conceito utilizado para analisar cultura visual, que trata como as pessoas são apresentadas e vistas pelo público. Os tipos de gaze são categorizados por quem está olhando. O termo Male Gaze foi cunhado por Laura Mulvey em seu ensaio “Visual Pleasure and Narrative Cinema” (Prazer Visual e Cinema Narrativo) publicado em 1975. Mulvey diz que mulheres no filme são tipicamente objetos, ao invés de donas, do gaze, porque no controle da câmara (e portanto do gaze) está geralmente um homem branco heterossexual, assim como o público alvo da maioria dos gêneros de filme.
Embora isso tenha sido mais verdadeiro na época em que Mulvey o escreveu, quando os protagonistas de Hollywood eram majoritariamente masculinos, o conceito base de homens como sujeitos e mulheres como objetos do olhar ainda se aplica hoje em dia, apesar do numero crescente de filmes direcionados a mulheres com protagonistas femininas. Isso é o status quo que Jessica Chastain estava desafiando nos seus comentários em Cannes.
Como o Male Gaze funciona na Prática
Mesmo que o termo tenha sido introduzido como parte de teoria de cinema, o termo pode ser aplicado a outras mídias, principalmente à propaganda, porque mais que ser o objeto do gaze, a mulher vira o objeto sendo vendido. A mensagem é clara para o público masculino: “Compre o produto, consiga a mulher,” e para o público feminino: “compre o produto para ser como essa mulher, para conquistar o homem.” O male gaze é definido em filmes clássicos, é só pensar nas loiras de Hitchcock para ilustrar esse olhar.
Quando o Male Gaze está presente, a mulher só existe em função do homem, no filme e TV ela existe para apoiar a narrativa do homem, para validar as decisões dele. Na propaganda, ela é o objeto de desejo, ou quando ela é o público alvo do produto, o acima citado efeito espelho está engajado, que a encoraja a se ver como o fotógrafo vê a modelo, comprando o produto para ser mais como esse ideal.
Como conseguimos este outro olhar?
Este fenômeno é tão enraízado em nossa cultura que até a ideia de conseguir um outro olhar pode parecer quase impossível. Significa que temos que rejeitar qualquer filme clássico ou contemporâneo sujeito ao Male Gaze? Eu não acredito que essa seja a solução. Mas precisamos sim, entender que o Male Gaze é só um olhar, não é O Olhar. Precisamos exigir mais narradoras femininas de todo tipo de background e raça.
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