São Paulo Fashion Week comemora 25 anos do evento com edição 100% digital 

A edição de 25 anos da São Paulo Fashion Week aconteceu entre os dias 4 de 8 de novembro, e pela primeira vez foi 100% digital. Os estilistas apresentaram suas coleções em forma de vídeo apresentação. E eu pessoalmente amei! Talvez tenha sido a pessoa introvertida que mora dentro de mim que curtiu a possibilidade de imersão total na visão do estilista sem toda a ansiedade de ir ao desfile, a política da primeira fila, brindes e listas VIPS, e por natureza um evento 100% acessível para todos.

A ideia de acessibilidade foi destacada pela ocupação da cidade de São Paulo através de projeções de imagens da história da passarela do evento.

Quase todas a peças dos desfiles já estavam disponíveis nos sites das marcas, mas curiosamente isso pareceu natural e autêntico e não o formato pressionado do See Now Buy Now visto em outras edições recentes.  

Inclusão

O evento pela primeira vez estabeleceu uma regra para que as marcas participantes adotassem uma cota racial de 50% de modelos não brancas, para garantir um casting que incluísse negras e indígenas. Essa regra tornou a semana de moda mais inclusiva na história de SPFW.

Temas da pandemia

O calendário contou com 33 marcas e estilistas trazendo temas fortes como isolamento, tecnologia, unidade, igualdade, exclusão e saúde mental, que influenciaram as expressões criativas dos estilistas através da roupa.

As apresentações em forma de vídeo tiveram diversas interpretações dos estilistas de mundos e experiências de 2020. Alguns, como a Ângela Britto, ofereceram um olhar de dentro dos seus ateliês ao falar sobre processos criativos e fontes de inspiração, como o tecido principal da coleção Panu di terá da sua nativa Cabo Verde.

Ângela Britto

Uma vontade de voltar para a raiz, de ter orgulho de ser brasileiro foi vista em várias expressões, através de peças de renda e crochê, primeiro do Victor Hugo Mattos (uma das minhas apresentações preferidas), estreando no line up oficial do SPFW, onde o designer e artesão apresentou sua linguagem principal de upcycling, feito à mão e cabeças ornamentais no formato de um lindo filme  de sol e poesia narrado pela voz da cantora Letrux de fundo.

Victor Hugo Mattos

 Crochê também estava em foco na apresentação do Ponto Firme, projeto do estilista Gustavo Silvestre que há anos ensina presos a fazer crochê.

Ponto Firme


Mais uma estreia com mensagem forte foi a Misci do estilista mato-grossense Airon Martin, em uma apresentação intitulada “Brasil Impúbere” que destacou as simples cumplicidades da terra em linhos fluidos.

Misc

A Handred se inspirou no bairro de Copacabana com ar de releitura do tempos antigos com aproveitamento da praia deserta como passarela, sem deixar dúvida que estamos em tempos de pandemia.

Handred

No “Uma bicha para presidente do Brasil”, o vídeo de apresentação da LED trouxe um tom mais político no meio da diversão colorida de cores vibrantes de rendas e fios dentais, enquanto modelos balançam uma bandeira do Brasil em preto e branco e na camiseta estampada com essa mesma bandeira, mas com um emoji triste no meio.

LED

Sinais do tempo:

Apartamento 03 aproveitou uma passarela escura e dramática para destacar a nossa carência por contato físico e o poder de cura de um abraço caloroso.

Apartamento 03

Lucas Leão manteve suas formas amplas mas ganhou uma nova dimensão através de seu vídeo em 3D, inspirado nas brechas vazias das panes de TV para criar estampas listradas que têm efeitos de ilusão de ótica. As peças foram criadas e fotografadas e depois digitalizadas pelos artistas 3D Pepa Puke e Sogno com as estampas criadas por Jemima Kos.

Lucas Leão

Outro tema recorrente foi a urgência de adotar um comportamento mais sustentável na compra de roupa. A apresentação “armário Inteligente” da Korshi usou peças versáteis e multifuncionais para destacar o valor do minimalismo e autonomia sobre o estilo pessoal, mas ao mesmo tempo destacou estereótipos do mundo da moda de maneira bem-humorada.

Korshi

Aluf, marca já conhecida por seu olhar sustentável, misturou peças da coleção atual com as peças novas para uma coleção volumosa em algodão com as listras apagadas em tons claros da qual eu sou muito fã.  

Aluf

Contexto sócio-político

Ronaldo Fraga encerrou a edição com poesia, revisitando sua coleção de vinte anos atrás sobre Zuzu Angel, costureira morta pela ditadura militar brasileira ao buscar respostas sobre o desaparecimento de seu filho Stuart. Segundo Fraga, a gota d’água veio quando apresentou uma coleção de vestidos de linho com anjinhos de asas quebradas e pequenos canhões atirando flores. “Nós estamos no mesmo lugar, Zuzu”, declara Fraga, trazendo paralelos fortes com o momento atual do país.

A fala do estilista foi protagonista da apresentação, e seu caderninho de desenhos dá vida às reinterpretações da estampa de sua coleção de 2001 e apresenta peças feitas em rendas Renascença da Paraíba e Richelieu de Mariana (MG)

“Eu nunca imaginaria que aqueles que mataram Zuzu Angel estariam de volta ao poder”. Caso haja uma sombra de dúvida sobre sua forte mensagem encerrando um novo momento de SPFW, e, em minha opinião, uma das edições mais emocionantes que já acompanhei.  

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