Sobre a série The Handmaid’s Tale – Desde quando o Feminismo é uma palavra suja?

Sobre a série The Handmaid’s Tale - Desde quando o Feminismo é uma palavra suja? | EAMR

Recentemente eu assisti uma série nova que realmente me marcou, tanto que não consigo parar de falar a respeito. The Handmaid’s Tale (em português, O Conto da Aia ) é baseado no livro de Margaret Atwood publicado pela primeira vez em 1985.

É um romance distópico, considerado pela autora um trabalho de “futuro especulativo” ao invés de ficção científica, pois ela foi escrupulosa sobre não incluir detalhes que não tenham tido um antecedente histórico ou um ponto de comparação moderno. 

Mesmo sendo um livro dos anos 80, o assunto é de uma atualidade arrepiante e isso se deve à exploração de paralelos entre aspectos da sociedade contemporânea e a natureza patriarcal da República de Gilead, antigos Estados Unidos da América, sendo crucial o tema da subjugação da mulher e sua luta. 

O enredo

A história passa-se num futuro próximo, numa teocracia totalitária cristã que derrubou o anterior governo democrático americano, um ataque terrorista em que o congresso norte americano foi massacrado, levando a anos de regime militar. Como consequência, os diretos e identidades das mulheres foram tirados e as poucas mulheres férteis capturadas e etiquetadas como animais, obrigadas a viver uma vida de serviço forçado e ter filhos dos líderes ricos do movimento e suas mulheres.

A série conta através de flashbacks a história da protagonista Offred (Elizabeth Moss) e outros personagens, mostrando como as coisas foram mudando aos poucos. A relevância desta situação não é perdida dado o clima politico atual e o que isso significa para indivíduos, especialmente mulheres, porque como Comodoro (Joseph Fiennes) comenta, “melhor nunca significa melhor para todos. Sempre significa pior para alguns”.

Um dos momentos mais assustadores para mim chegou no quarto ou quinto episódio quando me dei conta que o nome Offred, que parecia se encaixar bem na comunidade Amish dos EUA, era na verdade um termo de posse juntando as palavras Of e Fred, deixando nenhuma dúvida de que ela é propriedade do Comodoro Fred.

Sobre a série The Handmaid’s Tale - Desde quando o Feminismo é uma palavra suja? | EAMR

Tudo isso pinta um quadro escuro, amplificado pela administração Trump e sua posição contra o aborto, saúde das mulheres e feminismo. O livro (e consequentemente a série) nos desafia a olhar a nossa própria sociedade e se posicionar contra políticos que querem tirar nossos diretos humanos para transformar o mundo em um “Lugar melhor”.

A série The Handmaid’s Tale e seu fio feminista

Ao assistir a série, para mim o fio feminista ficou gritantemente óbvio, mas logo depois li algumas matérias dizendo que o elenco tomou bastante cuidado em não rotular a série como uma obra feminista numa entrevista durante o Tribeca Film Festival.

https://www.youtube.com/watch?v=nKVfixtlPVg

Ao insistir que a história não tem nenhuma referência especial para mulheres, me decepcionou bastante. Às vezes parece que feminismo virou uma palavra suja. E no auge de séries com audiências grandes e muitos fãs sendo canceladas, parece que alguém do Marketing estava preocupado com a possibilidade da série ser culpada de “cometer feminismo” e como resultado alienar o demográfico masculino. 

O produtor executivo Bruce Miller falou para o New York Times:

“Eu não sinto que é uma história masculina ou feminina; é uma história de sobrevivência.”

Sim, é uma história de sobrevivência, sim tem homens sendo mortos pendurados na parede para todo mundo ver, mas negar que a história tem um significado especial para mulheres é a mesmo tipo de retórica cansativa das pessoas que tem a audácia de promover o movimento “all lives matter” quando cada vez mais vemos jovens negros sendo mortos pela polícia…. mas isso é um outro assunto.

Elizabeth Moss depois voltou atrás de seu comentário no painel, quando tinha dito que “Não é uma história feminista, é uma história humana, pois direitos das mulheres são direitos humanos.” O afastamento do tema tão importante da série foi difícil para engolir justamente de Moss que também interpretou o papel de Peggy em Mad Men, uma mulher que conseguiu subir no mundo masculino da publicidade nos anos 60.
Falando no Huffington Post ela diz “Eu queria dizer ― e vou dizer aqui e agora ― EVIDENTEMENTE, tudo em maiúsculas, é um trabalho feminista. É uma série feminista.”

Sobre a série The Handmaid’s Tale - Desde quando o Feminismo é uma palavra suja? | EAMR

Talvez seu comentário inicial tenha a ver com o medo de ser percebida como “só” feminista e mais nada. 

Logo Margaret Atwood deu uma resposta péssima ao NYT sobre o tema do feminismo, em que pareceu ter entendido feminismo como uma filosofia política em que mulheres não podem errar. Existe um histórico de má interpretação do sentido do termo, colocando alguém que se ousa declarar feminista debaixo de um espelho esperando o momento de cair, além de uma inimiga dos homens e com uma raiva e agressão fundamentais, o que me parece mais uma maneira de controlar e qualificar o posicionamento de mulheres em termos emocionais. Talvez foi por este motivo que Atwood, que sempre teve um foco em assuntos de mulheres, prefira se distanciar do termo feminismo.

“Tomei o cuidado de não incluir nada que humanos não tivessem feito num momento da história.” Margaret Atwood sobre sua obra

Não quero parecer a polícia do uso do termo, mas acho triste que uma palavra que simplesmente se refere à luta pela igualdade dos sexos seja evitada por medo das conotações negativas. Principalmente porque Atwood nunca foi de se esconder de controvérsia; faz só 10 anos que o livro foi proibido em escolas de ensino médio em San Antonio, Texas, com a justificativa de que era anti-cristão e excessivamente explícito sobre sexo. Atwood respondeu ao distrito escolar por meio de uma carta aberta, salientando que a bíblia tem muito mais a dizer sobre o assunto de sexo que o livro dela, e defendeu as verdades essenciais do seu livro dizendo, “se você vê uma pessoa caminhando em direção a um buraco no chão, não seria um ato amigável alertá-lo?”

Falando ao The Guardian, a autora de 77 anos explicou: “Quando o livro lançou, inicialmente foi visto como exagerado. Mais quando o escrevi, tomei o cuidado de não incluir nada que humanos não tivessem feito num momento da história.” Talvez foi por isso que me marcou tanto. Pois sabemos que a verdade é muitas vezes mais bizarra e mais terrível que a ficção.

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